A bem-vinda moda dos programas de culinária, das varandas gourmet, das cozinhas abertas e dos espaços gourmet nos novos prédios.
Cozinhamos porque somos humanos ou somos humanos porque cozinhamos? Varandas gourmet e programas culinários só existem graças aos nossos ancestrais, que passaram a cozinhar os alimentos há centenas de milhares de anos.
“Somos humanos porque cozinhamos nossos alimentos!”. A afirmação é de Richard Wrangham, antropólogo de Harvard, autor do livro Pegando Fogo – Por Que Cozinhar Nos Tornou Humanos, lançado em 2010. Em resumo, o que ele conta na obra é bem interessante. Para Wrangham, nós não apenas começamos a cozinhar muito antes de nos tornarmos humanos como nos tornamos humanos justamente porque começamos a cozinhar.
A disponibilidade de alimento cozido, segundo ele, possibilitou o crescimento da caixa craniana dos habilinos (símios de baixa estatura, braços longos e face protuberante), o que teria levado ao aparecimento do Homo erectus há cerca de 1,8 milhão de anos. Mais adiante, ela continuou crescendo até chegar ao tamanho da caixa craniana do Homo sapiens. Ou seja, a evolução humana está intimamente ligada ao modo como preparamos nossa comida.
Calma que a gente explica: comida cozida é igual à comida livre de microrganismos e igual à maior disponibilidade energética. Alimentos cozidos são mais fáceis de mastigar e digerir do que os crus. Assim, o organismo gasta menos energia para quebrar as suas moléculas e o aproveitamento calórico é maior. Para carnes, por exemplo, o cozimento pode aumentar a digestibilidade em até 40%. Como a digestão dos alimentos ficou mais
fácil, deixou de ser necessário ter boca, maxilar, estômago e intestinos enormes. Com o tempo, esses órgãos diminuíram.
À medida que o crânio crescia e os intestinos diminuíam, surgiu algo novo entre os nossos antecessores: tempo livre. Pois é. Não era mais preciso passar o dia todo atrás de comida (nem mastigando-a ou digerindo-a). Cozinhar virou uma atividade social. Todo mundo ao redor do fogo socializando. Isso gerava menos agressividade entre o grupo e maior afetividade entre os comensais. Diversos estudos, inclusive, indicam que nenhum animal faz as suas refeições de modo tão amistoso como o ser humano.
Além de tempo para cozinhar, os hominídeos começaram a se ocupar de outras tarefas, com a criação de ferramentas complexas, linguagem, arte e agricultura. Uma cultura, em suma.
Se comida é cultura tá explicado o motivo de tanta gente gostar de reunir amigos e familiares para aquele churrasquinho. Tá explicado também porque tanta gente gosta de ver o Claude e o Batista na tevê e navegar na Amazon em busca dos mais recentes títulos culinários. Tem até quem goste de participar e assistir a reality shows culinários.
Apesar da ascensão do delivery e da comida pronta, nada substitui o convívio promovido pelo ato de cozinhar. Por isso, bem-vindos espaços gourmet, varandas com churrasqueira, cozinhas abertas etc. Só não vale fazer aquele cursinho básico de risoto e ficar se exibindo com indumentária de chef por aí.